A CRISE DO CORONAVÍRUS E OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS EM VIGOR

A CRISE DO CORONAVÍRUS E OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS EM VIGOR

A CRISE DO CORONAVÍRUS E OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS EM VIGOR MSSO advogados

Os contratos celebrados entre a Administração Pública e o particular para fornecimento de bens e serviços, bem como realização de obras, colocam-na em posição avantajada e verticalizada com relação ao particular contratado, com supedâneo na própria legislação administrativa. Isto explica, por exemplo, as cláusulas exorbitantes do contrato administrativo, que impõem uma séria de sujeições ao particular, que não se admite nos contratos do direito privado, em que prevalece a igualdade entre as partes e o equilíbrio contratual.

Com a crise pandêmica do novo coronavírus, muitos empresários estão preocupados, já que a situação excepcional está impactando diretamente as atividades econômicas.

O fundamento para esta situação privilegiada do Poder Público nos contratos administrativos é o princípio do interesse público que não só obriga o Estado a sempre visar a promoção do bem comum, como também lhe concede uma série de prerrogativas para que possa fazê-lo. Dentre estas prerrogativas estão as cláusulas exorbitantes e a nítida desigualdade que se verifica entre a Administração/contratante e o particular/contratado nos contratos administrativos, como a possibilidade de aplicação de sanções contra este, nos casos de descumprimento de suas cláusulas, em processo administrativo cuja decisão final goza de exigibilidade.

Com a crise pandêmica do novo coronavírus, muitos empresários estão preocupados, já que a situação excepcional está impactando diretamente as atividades econômicas, posto que a livre circulação de pessoas e mercadorias está comprometida, o que certamente vai ensejar o descumprimento involuntário de obrigações contratuais, inclusive de contratos administrativos. Em situações normais, segundo o art. 87, da Lei 8.666/93, estariam estes empresários sujeitos a sanções em razão da inexecução do ajuste.

Ocorre, todavia, que situações atípicas já são previstas pelo ordenamento jurídico, admitindo soluções igualmente atípicas. Nesse sentido, são flexibilizadas imposições legais e contratuais, adaptando-se os contratos administrativos à realidade excepcional, adaptando os estes negócios jurídicos à complexa dinâmica social. Como exemplo, o art. 57, § 1º, inciso II, da Lei 8.666/93, admite a prorrogação dos prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega diante da superveniência de fato excepcional ou imprevisível, exatamente como a situação que se vive atualmente.

É possível ainda, também com fundamento na pandemia que se vivencia, a sustação do contrato administrativo, conforme prevê o art. 79, § 5º, da Lei 8.666/93 , ou seja, pode a execução material do ajuste ser suspensa e, após a normalização da situação, prorroga-se automaticamente pelo mesmo período da suspensão o cronograma de execução.

Destaque-se, também, que a crise sanitária do COVID-19 pode configurar força maior, que exclui a responsabilidade por eventual descumprimento contratual. É que, para que seja configurada a falha do contratado que permite a imposição de uma sanção pela Administração, é preciso que se demonstre o elemento culpa em sentido amplo (abrangendo o dolo e as situações de negligência, imprudência e imperícia). Se, no entanto, a o descumprimento do contrato se dá exclusivamente em razão da pandemia, não se pode verificar este elemento subjetivo, de modo que se exclui a própria responsabilidade do administrado.

Uma das sanções que podem ser aplicadas pelo Poder Público diante do não cumprimento de cláusula contratuais pelo administrado é a multa mora. Neste sentido, prevê o art. 86, da Lei 8.666/93 que “o atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora”. Fica claro, portanto, que a multa de mora só pode ser aplicada ao contratado pelo atraso injustificado, levando à dedução lógica de que a apresentação de justificativa pelo atraso impede a aplicação da referida sanção. A força maior que representa a pandemia que assola o mundo é, certamente, uma justificativa, de modo que eventual retardamento no cumprimento de contratos administrativos, não podem ensejar sanção.

Há, também, uma medida mais drástica à disposição das partes, que é a própria rescisão do contrato sem qualquer prejuízo, se restar impossível a continuidade da execução da avença. É que a força maior é um dos motivos previstos em lei (art. 78, inciso XVII, da Lei 8.666/93), desde que devidamente comprovada, de rescisão contratual. Isto vale tanto para a administração, que pode promover a rescisão unilateral nesses casos, conforme preceitua o art. 79, inciso I, da Lei 8.666/93 e para o contratado, que pode propor um acordo para a Administração, nos termos do inciso II, do referido dispositivo legal ou, não havendo conveniência para o Poder Público na rescisão, pela via judicial, como lhe faculta o inciso III do mesmo art. 79.

Neste caso de rescisão por motivo de força maior, em que não há culpa do contratado, a legislação lhe garante a recomposição dos prejuízos que houver suportado, a devolução da garantia que tiver prestado, o recebimento dos pagamento devidos pela execução do contrato até a rescisão, bem como o pagamento dos custos da desmobilização, se aplicável.

Se, contudo, não deseja o particular a rescisão e, ao revés, pretende e tem a possibilidade prosseguir com o cumprimento do contrato, também não se pode exigir deste um ônus excessivo. Assim, demonstrando-se que os custos do contrato se excederam em razão do momento crítico da saúde, rompendo a proporção que havia anteriormente entre tais custos e a remuneração prevista na avença, é possível exigir da Administração a alteração contratual para que se reestabeleça o equilíbrio econômico-financeiro original.

Configura-se, portanto, uma oneração excessiva ao particular em razão de fato imprevisível, enquadrando a situação na hipótese de álea econômica extraordinária extracontratual. Tal direito existe, justamente porque, diante de tantas prerrogativas que tem a Administração no contrato administrativo, garante-se ao contratado ao menos a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro como uma medida compensatória da situação de submissão que este assume na avença. Ao particular, cabe exigir o cumprimento deste direito!

Por todo o exposto, é natural que diante da pandemia do novo coronavírus, o Governo Federal esteja tomando providências para facilitar a contratação de produtos e serviços essenciais para seu enfrentamento, mas não se pode esquecer dos contratos vigentes, que têm gerado preocupação aos empresários quanto à impossibilidade de seu cumprimento nos moldes inicialmente pactuados e, consequentemente, com a possibilidade de sofrerem sanções.

O ordenamento jurídico, todavia, prevê garantias a estes empresários em situações como estas, de modo que podem repactuar contratos administrativos para restabelecer seu equilíbrio econômico financeiro, rescindi-los sem prejuízos, se a continuidade da execução não for possível e, ainda, eximir-se de responsabilidade pelo descumprimento de cláusulas contratuais, desde que haja relação entre este descumprimento e a pandemia do COVID-19, que certamente se configura como caso de força maior.

Dr. Pedro Sales

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Mestrando em Direito Administrativo pela Universidade de Lisboa, especialista em Direito Público e em Direito Eleitoral, professor da Universidade Salvador (UNIFACS), advogado, associado efetivo do IAB-BA e auditor do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol da Bahia.

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