Como ficam os seus direitos de consumidor durante a pandemia do COVID-19?

Como ficam os seus direitos de consumidor durante a pandemia do COVID-19?

direitos do consumidor durante a pandemia covid 19

por Daniel Galvão

Introdução

Diante do cenário atual vivido em todo mundo, é notório que a população percebeu de forma drástica a disseminação do Covid-19 e o modo que o vírus interferiu nas relações de consumo.

Neste cenário, em seu primeiro momento, as principais relações afetadas foram nos setores de transporte aéreo e hotelaria. Todavia, com o grande avanço da pandemia no mundo, os efeitos passaram a ser mais generalizados, assim afetando toda a cadeia de fornecimento e consumo nos mais diversos setores da economia global.

Com o decreto de calamidade pública e a obrigatoriedade de fechamento de estabelecimentos comerciais, bem como a interrupção da prestação de serviços e fornecimento de produtos, ressalvados aqueles tidos como essenciais, trouxeram a tona os grandes impactos sofridos pela economia e a necessidade da sociedade em se moldar diante de seus anseios e as limitações frente à pandemia.

Neste desiderato, o enfrentamento a crise vem trazendo severas dificuldades aos fornecedores de produtos e serviços para a manutenção da sua atividade, sendo de importante valia a aplicação de mecanismos para o cumprimento de contrato já celebrados e a disponibilização de alternativas ao consumidor com o fito de mitigar prejuízos e tentar manter “alimentado” o mercado de consumo.

Princípios

Outrossim, adentrando as relações de consumo, temos a presença de importantes princípios que buscam estabelecer uma relação igualitária entre as partes, trazendo o equilíbrio contratual a estas relações, tais como:

1 – Boa-fé (Art. 4º, III) – que tem por objetivo o comportamento da parte com lealdade e cooperação, com o fito de não onerar a atividade ou expectativa da outra parte, vedando a aplicação de cláusulas abusivas.

2 – Proporcionalidade (Art. 6º, V) – que tem por objetivo estabelecer que se tenha reciprocidade na relação contratual, ou seja, é um direito básico do consumidor a alteração de cláusulas contratuais desproporcionais ou excessivamente onerosas.

3 – Transparência (Art. 4º, caput) – que estabelece a obrigatoriedade da apresentação de cláusulas claras e específicas, com o fito que a relação contratual se estabeleça da forma mais igualitária e justa possível.

Principais relações de consumo afetadas pela pandemia:

Cancelamento de viagens

Em situações tidas como normais, o cancelamento ou alteração de uma viagem se mostrava como um grande transtorno e uma pratica excessivamente onerosa. Todavia, diante da pandemia que assola o planeta muitas companhias aéreas passaram a flexibilizar tais alternativas, até mesmo porque se apresentou como posicionamento do governo que estará prestando o auxilio devido.

Neste ponto, tem-se como alternativas ao consumidor para a sua livre escolha:

– Remarcação da viagem para momento posterior, sendo de sua escolha para o mesmo local, ou para local distinto, cabendo-lhe arcar com valor caso a passagem para o destino diverso seja de valor mais elevado;

– Reembolso do pagamento efetuado pela passagem;

– Cancelamento total, cabendo à empresa a devolução do valor total sem qualquer aplicação de multa;

Trazendo tais alternativas, se mostra como um conselho dado para a preservação das relações de consumo o não cancelamento total da passagem adquirida, sendo uma ferramenta para minimizar os prejuízos advindos da pandemia as empresas que foram obrigadas a não realizar a prestação do serviço.

Diante do cenário vivido no Brasil e no mundo, a cobrança de taxas e multas para a remarcação ou cancelamento de viagens se mostrou como prática abusiva, sendo esta vedada pelo CDC.

Nesse sentido, a medida provisória nº 925, trouxe de forma expressa tais medidas tidas como emergenciais para o cenário atual:

• O consumidor que pedir o reembolso integral do valor do bilhete aéreo receberá seu dinheiro em até doze meses;

• As companhias aéreas deverão prestar assistência material aos passageiros que necessitarem, proporcionando, por exemplo, hotel e alimentação para aqueles consumidores que estiverem presos fora do Brasil;

• Só terão direito à isenção das multas contratuais aqueles consumidores que aceitarem créditos para a utilização no prazo de até doze meses, contados da data do voo contratado.

Hospedagem

Tratando de todos os meios de hospedagem que se enquadram na Lei Geral do Turismo e na Lei das Agências de Turismo, complementadas pelo Código de Defesa do Consumidor.

Estas empresas são responsáveis por pacotes de viagem, hospedagem, peças publicitárias, dentre outros. Neste ínterim, respondem de forma solidária ao consumidor por todos os produtos/serviços que integram o pacote.

Destarte, diante do cenário de pandemia vivido, cabe aos fornecedores zelarem pela saúde e segurança dos consumidores contra os riscos presentes no fornecimento dos serviços e produtos.

Deste modo, cumpre trazer a baila da discussão a presença dos princípios que regem as relações de consumo, com o fito de eliminar quaisquer disparidades nos contratos vigentes, buscando de forma amigável a melhor solução do conflito.

Assim, cumpre as partes a busca por acordos para remarcação, adiamento ou até mesmo o cancelamento do pacote de viagem. Ainda, cumpre destacar que são alternativas que o fornecedor pode oferecer ao consumidor, tais como o adiamento ou conversão em créditos para utilização posterior, bem como o reembolso sem a incidência de multa ou qualquer outra penalidade.

Aumento abusivo dos preços

Com a crescente da pandemia, o cenário brasileiro tem mostrado o Aumento abusivo dos preços em diversos produtos, ao passo que a procura por estes produtos aumentou consideravelmente, tendo como exemplo o preço do álcool gel.

Todavia, a prática se mostra completamente abusiva e inconstitucional, ao passo que a tutela do consumidor se mostra evidente pelo Art. 170, V, da CF, bem com o Art. 39, X do CDC que expressa como prática abusiva o aumento de preços de produtos e serviços sem justa causa.

Ademais, para que seja configurada a prática abusiva, é necessário que o fornecedor estabeleça o aumento de preço excessivo, dissociado de eventual aumento nos custos ou que esteja aproveitando-se da situação de calamidade e necessidade da população para o referido aumento.

A abusividade encontra-se presente no momento em que o fornecedor se aproveita da situação da sociedade, sendo uma situação anormal, obrigando os consumidores ao pagamento de valor claramente excessivo, em função da necessidade destes em adquirir o produto ou serviço.

Neste sentido, a jurisprudência é firmada no sentido de reconhecer a abusividade quando presentes as circunstâncias acima mencionadas. Posto isso, em eventual situação de clara abusividade do fornecedor, cabe ao consumidor à busca de contato com o PROCON, para que este busque as providencias cabíveis para que a pratica seja cessada.

Cancelamento de eventos

Tendo em vista a facilidade de propagação do vírus, ainda mais em grandes aglomerações e ambientes fechados, o Ministério da Saúde realizou pronunciamento no sentido de fazer recomendações para que eventos particulares em locais fechados com reunião de cem ou mais pessoas sejam cancelados ou adiados, com o fito de diminuir a velocidade de propagação do vírus.

Diante da referida recomendação, tanto eventos maiores, tais como shows, partidas de futebol, dentre outros, quanto eventos menores passaram a ser cancelados. Neste sentido, dada a preocupação com a vida e saúde dos convidados, diversos consumidores buscaram cancelar ou adiar eventos particulares (ex: formaturas, aniversários).

Todavia, na maioria dos contratos firmados não existia cláusula com a possibilidade de rescisão contratual com a devolução dos valores pagos e nos contratos em que presente tal possibilidade era existente a cobrança de taxas e multas para tal pratica o que tornava inviável a modificação ou rescisão contratual por parte dos consumidores.

Neste pesar, a busca pelo adiamento ou rescisão contratual vem a ser através de negociação entre as partes, cabendo salientar que a cobrança de multa ou inviabilização de adiamento da data para a realização do evento configuram prática abusiva por parte do prestador de serviços, o que encontra vedação pelo CDC.

Assim, cumpre as partes a busca por uma solução amigável do conflito com a minimização dos danos para ambas as partes, devendo prevalecer os princípios que regem as relações consumeristas.

Serviços Essenciais

Com o grande avanço da pandemia, muitas medidas foram tomadas com o fito de minimizar a propagação do vírus em todo o território brasileiro, assim, além das medidas de isolamento, diversas atividades precisaram ser suspensas para que os efeitos do isolamento se tornassem mais eficientes (Lei nº 13.979/2020).

Deste modo, apenas os serviços tidos como essenciais continuam tendo seu funcionamento normal, isto porque é previsão constitucional e expresso no CDC em seu art. 22, caput, que os fornecedores são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, que sejam fornecidos de forma contínua.

Assim, se mostra o entendimento jurisprudencial, no sentido de que os serviços tidos como essenciais não podem ter seu fornecimento interrompido tais como o fornecimento de energia elétrica e água, visto que em tempos de calamidade a interrupção se mostra como grave ofensa a saúde e integridade física dos consumidores.

Ademais, tendo em vista a situação precária de diversas famílias, o entendimento perpassado é que não exista a interrupção, bem como não sejam cobrados juros e multa no período de contingencia.

Limite na compra de produtos

Nos primeiros dias em que a situação de calamidade se mostrou mais preocupante, se tornou uma situação comum diversos consumidores realizarem compras exacerbadas de determinados produtos, visto o receio da falta destes no mercado.

Em consonância com a referida situação, o CDC em seu Art. 39 versa quanto a impossibilidade do fornecedor de produtos e serviços condicionar o seu fornecimento limites quantitativos.

Deste modo, resta solar a impossibilidade do fornecedor em limitar a quantidade de produtos e serviços sem justa causa para tal. Todavia, o entendimento do STJ para a matéria em questão é que a quantidade adquirida deve ser proporcional ao consumo individual ou familiar.

Assim, tratando de um momento de pandemia causado pelo Covid-19, a prática de limitação não se mostra ilegal, pois pautado em justa causa, o fornecedor pode se valer de critérios de razoabilidade e proporcionalidade para estabelecer a limitação da aquisição de alguns produtos, com o fito de assegurar um abastecimento da população.

Posto isso, a limitação se apresenta como a prevalência dos interesses coletivos perante aos interesses individuais, buscando beneficiar uma maior quantidade de consumidores que têm a necessidade de consumo de determinados produtos.

Este entendimento se tornou firmado pela nota Técnica CNDD-FC nº 01/2020, do Comitê de Defesa dos Direitos Fundamentais do Consumidor, em 17/03/2020, deliberando pela limitação da quantidade do produto ou serviço nas vendas feitas no comércio, com a finalidade de garantir o abastecimento do mercado e atender as necessidades dos consumidores, em situação de grande procura, e enquanto durar a pandemia da Covid-19, não constituindo prática comercial abusiva, eis que motivada em justa causa (CDC, art.39,I).

Da Interrupção nos serviços de ensino

Diante das declarações realizadas pela OMS e suas recomendações, bem como as recomendações expressas do Ministério da Saúde e da ANVISA no que tange a necessidade do distanciamento e isolamento social os governos estaduais e municipais impuseram limitações quanto ao funcionamento de diversos estabelecimentos, dentre eles, as instituições de ensino.

Ademais, sobreveio a Nota Técnica nº 14/2020 que versa sobre a suspensão das aulas presenciais, podendo estas instituições escolherem os métodos de aula à distância ou o atraso das aulas para um momento posterior, após o término do período de isolamento.

Com as medidas ora adotadas, surgiram questionamentos aos consumidores. Isto porque, com a suspensão das aulas ou a modificação para a modalidade EAD, como seria a contraprestação do consumidor? As parcelas seriam interrompidas? O valor das parcelas seria modificado?

Todavia, o entendimento expresso é no sentido da manutenção das mensalidades, pois as aulas serão repostas em momento posterior, não havendo qualquer óbice para a continuidade do pagamento.

Outrossim, caso as medidas de isolamento social impeçam a prestação do serviço para o corrente ano, as mensalidades pagas durante o ano serão abatidas através de bolsas e descontos para o ano posterior.

Por fim, no caso de rompimento do contrato outrora firmado pelos serviços educacionais gera reembolso dos valores pagos somente ao final do período de quarentena.

Conclusão

Deste modo, é possível perceber uma grande gama de relações consumeristas que sofreram imensos impactos por conta da pandemia e que por não existir uma legislação específica para tal momento, cumpre as partes buscarem na legislação existente, normas que busquem dirimir quaisquer conflitos presentes, bem como se pautar nos princípios que regem as relações de consumo, para assim buscar estratégias que diminuam os prejuízos que serão suportados pelas partes.

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